O AFRICANO, DE JEAN-MARIE GUSTAVE LE CLÉZIO
1 – Um pouco sobre o autor: Jean-Marie Gustave Le Clézio nasceu em 13.04.1940. É filho de Raoul Le Clézio, um cirurgião mauriciano, e de sua prima-irmã, Simone Le Clézio, francesa, ambos oriundos de uma família bretã que, no século XVIII, emigrou para as ilhas Maurício e adquiriu a cidadania britânica, após a anexação das ilhas pelo Império. Ali era permitido aos colonos manterem as suas propriedades e o uso da língua francesa.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a família ficou separada, pois o pai estava impossibilitado de juntar-se à mãe e aos filhos, em Nice. Após a guerra, quando Jean-Marie tinha 8 anos, a família se reuniu novamente, na Nigéria, onde o pai servia como cirurgião do exército britânico.
Le Clézio estudou na Universidade de Bristol, concluiu seu curso de graduação em literatura francesa, no Institut d’Études Litteraires de Nice, passou vários anos entre Bristol e Londres, e, afinal, foi para os Estados Unidos onde se tornou professor.
Tornou-se famoso aos 23 anos, com seu primeiro romance, Le Procès-verbal (“O interrogatório”), que foi selecionado para o Prêmio Goncourt e obteve o Prêmio Renaudot, em 1963.
Desde então, publicou cerca de quarenta livros, incluindo contos, romances, ensaios, duas traduções sobre o tema da mitologia indígena americana, inúmeros comentários e prefácios, assim como algumas participações em obras coletivas. Continua a escrever até hoje. Está com 81 anos.
2 – Sobre o livro: Neste livro, o escritor nos leva para uma longa viagem de retorno à África, onde passou parte de sua vida, voltando ao ano de 1928, até muito além do final da segunda grande guerra.
É uma história muito bem contada, mesmo traduzida, revela uma linguagem poética primorosa e emocionante. Seu fio narrativo baseia-se nas lembranças do autor, que refaz o caminho que seu pai percorreu, durante as mais de duas décadas em que trabalhou como médico militar nas colônias inglesas do continente africano.
O livro também é uma tentativa do narrador de compreender sua infância dividida entre a Europa e a África e o difícil primeiro encontro com um pai desconhecido, aos oito anos de idade. Como se fosse um resgate do que ele não conseguiu compreender e assimilar quando era criança.
A narrativa mescla traços autobiográficos e ficcionais, na tentativa de entender as emoções desse pai e expressar as suas próprias, num curto e profundo relato. Nesse sentido, não só ele mergulha em lembranças, mas também parece reviver todo aquele período, desta vez com outro olhar: o olhar de um homem já amadurecido e capaz de perceber o que lhe escapou na infância.
A descrição da paisagem africana é feita com riqueza de detalhes e com muito sentimento, não é uma descrição fria e objetiva. Parece até que a terra se personifica, o rio fala com as margens, as formigas se vestem de soldados para atacar na calada da noite e os cupinzeiros se tornam muralhas e edifícios na concepção iluminada das crianças. O vento e as monções também são mostrados com intensidade.
Os lugares e as pessoas são descritos com tanta empatia que, mesmo sem nunca termos ido à África, suscita-nos um sentimento forte, misto de admiração, curiosidade e vontade de proteger aquelas pessoas humildes e exploradas.
Ao descrever o pai, que ele conhece aos 8 anos, a difícil convivência inicial, o autor volta no tempo e tenta resgatar os anos que antecederam ao seu nascimento, o amor que aproximou seus pais, os anos em que foram felizes, antes da guerra, a separação, o reencontro.
O livro é também uma denúncia dos efeitos da colonização europeia, das injustiças cometidas com aquela gente simples e humilde, mas rica em cultura e tradições. Fala também da matança dos gorilas para vender suas mãos como souvenirs, deixa entrever que ouviu até sobre venda de mãos de crianças.
Deixa bem claro que depois da guerra, o encanto deixou de existir. Para o seu pai e para a população. Após intensa exploração, os colonizadores, armaram ditadores locais, que aprenderam rápido a praticar a crueldade e a abandonar a população local a sua própria sorte.
Ao escrever o livro, o autor revive todo o seu passado e percebe que, agora, ele entende aquele homem (seu pai) que, tendo vivido e presenciado todo o sofrimento do povo africano não poderia sair ileso dessa experiência. É quando ele se reconcilia com o pai e, realmente, o compreende.
Ao final, ele constata que seu pai se tornou um africano. Ao voltar para a França depois da aposentadoria, ele não se encaixa mais naquela sociedade. Não só isso: percebe que sua vida também foi profunda e definitivamente marcada por aquela paisagem, pelas pessoas com as quais conviveu, e sente que ele também foi definitiva e irremediavelmente marcado pela África.
Sua conclusão é que sua infância distante está mais próxima do que nunca, está em Ogoja. E os nomes dos lugares ainda ressoam nele como sobrenomes: Bali, Nkom, Bamenda, Banso, Revi, Kwaja, Mbembé, Kaka, Nsungli, Bum, Fungom, Lassim…
Afinal, quem é o africano? O pai? O autor?
Por Basilina Pereira – cadeira 26 – Letras – Patrono: Olavo Bilac