Afonso Henriques de Lima Barreto, nasceu no Rio de Janeiro em 1881 e faleceu na mesma cidade em 1922. Filho de um tipógrafo e de uma professora primária, foi servidor da Secreta-ria de Guerra e trabalhou em diversas redações de jornais importantes da época. Seu nome Äcou imortalizado pelas obras, a citar: Triste Fim de Policarpo Quaresma (1911), Histórias e sonhos (1920), Clara dos Anjos, (1948), além de manifestos e numerosos artigos de crítica social. O escritor morreu aos 41 anos de idade. Os Bruzundangas, publicada em 1923, é uma obra que satiriza as duas primeiras fases da Primeira República (1889-1930): a fase da Consolidação (1889-1898) e a fase da Institucionalização (1898-1921) das estruturas políticas e econômicas do período. Em meio a crises na política e na economia, deÄniram-se políticas como a dos governadores e do café com leite. As práti-cas políticas foram caracterizadas por troca de favores, pela união das oligarquias com o obje-tivo de escolher os Presidentes, pelo coronelismo e pelo clientelismo, que se utilizaram respectivamente do voto de cabresto e do voto em troca de favores. A Constituição de 1891 instituiu o Federalismo, o Presidencialismo, o sistema eleitoral e o Estado laico de direito. A terra de Bruzundanga retrata o Brasil do começo do século sob o olhar crítico e objetivo do autor que, transcendendo as próprias frustrações, descreve com uma clareza crua as estrutu-ras que deÄnem a sociedade brasileira do seu tempo. O livro é dividido em 22 capítulos, crô-nicas que abordam situações especíÄcas do lugar e da sociedade supostamente imaginários. Um Prefácio do autor e um Capítulo Especial que descrevem “Os Samoiedas” e “Sua excelên-cia” antecipam os 22 capítulos. A linguagem satírica de Lima Barreto revela a fragilidade da estrutura econômica do país, a falta de escrúpulo dos grupos oligárquicos, a corrupção no meio político e dos políticos e a falta de visão para explorar as riquezas econômicas do país. Ele critica ferinamente a falta de conhecimento dos grupos sociais das classes privilegiadas, a diplomacia brasileira, os interesses particulares por detrás da Consituição de 1891, os chefes de governo, as forças armadas, a religião, a política do café com leite, atingindo até as esferas das Artes. Para o autor, a diplomacia da Bruzundanga é marcada pelo desejo de viver fora do país, em qualquer lugar e para conquistas amorosas. Os que Äcam contentes no país, é porque obtêm muitos privilégios Änanceiros. A diplomacia começa por aprender alguma coisa de francês e estar sempre participando de festas e reuniões. “Não há mal algum que seja assim a diplo-macia daquelas paragens. A Bruzundanga é um país de terceira ordem e a sua diplomacia é meramente decorativa. Não faz mal, nem bem: enfeita”. Uma das críticas mais cruas apresentadas pelo autor foi relativa aos artigos da Constituição. A respeito do Presidente, a Constituição estabelecia que ele deveria apenas saber ler e escre-ver, que não precisava ser inteligente, que não tivesse vontade própria e que fosse completamente medíocre, sendo a “Carta de Bruzundanga” em vários sentidos religiosamente obe-decida. A sátira apresenta inúmeros elementos espirituosos, dentre eles, os nomes de personagens, de grupos sociais ou lugares, como o próprio título “Os Bruzundangas” sinaliza: o deputado Felixhimino ben Karpatoso, o grande sábio “Volkate ben Volkate”, a “nobreza doutoral”, os “potentados Änanceiros”, o “Mandachuva”, o visconde de Pancôme”, o “Halaké-ben Thore-ca”, o “Julho-ben Khosta”, o doutor “Adhil-ben Thaft”, o comerciante “Krat-ben Suza, o de-putado “Fur-hi-Bhundo”, a província do “Kaphet”, entre outros. Além disso, o livro apresenta termos de um português antigo e rebuscado, que nos incentiva a pesquisa para quem deseja enriquecer o seu próprio vocabulário da língua portuguesa. Lima Barreto é um escritor pré-modernista, de cunho realista e nacionalista, que prenuncia a estética modernista brasileira. Sem idealização romântica, seu nacionalismo é crítico e expõe os problemas sociais brasileiros, retratando e escancarando de uma forma genial a realidade política e cultural. Sua obra é marcada ainda pela própria experiência vivida em meio ao pre-conceito social, pela exclusão devido à origem pobre, à negritude e aos problemas de saúde que enfrentava. A obra de Lima Barreto é imprescindível para se entender o Brasil atual e naturalmente o de sua época e está entre as mais importantes da literatura brasileira. Por Henriqueta Rebuá de Mattos Oliveira Lima – Cadeira 86, Patrôno Oscar Lorenzo Fernandez
Queridos almubianos e apreciadores da boa leitura, em fevereiro de 2022 o Grupo de Leitura da ALMUB debruçou-se sobre o livro A Metamorfose, de Franz kafka, por indicação de nosso querido Almubiano Newton Lima, que, por ocasião de seu aniversário, recebeu o grupo de leitura da ALMUB em sua residência. Um dia especial, onde juntos trocamos experiências pessoais sobre o livro indicado, como também comemoramos o aniversário de nosso anÄtrião. Quem recebeu o maior presente fomos nós, onde, no bolo, o aniversariante fez uma linda homenagem ao nosso grupo. Gratidão pelo carinho, querido almubiano Newton Lima. Resenha do Livro “A Metamorfose” de Franz Kafka. Vinte dias após as primeiras palavras nascia A Metamorfose de Franz Kafka. A pequena e intrigante história de Gregor Samsa que ao acordar se vê transformado num imenso inseto. O livro traz a carga das contradições humanas numa sociedade recheada de interesses sociais, econômicos e de relações de poder. O homem quando deixa de ser útil para a sociedade contemporânea se transforma num empecilho. Gregor poderia ser um doente que descobriu a moléstia, poderia ser um viciado lutando contra o vício, um contestador das leis vigentes de um estado, um artista incompreendido, um estrangeiro numa cultura diferente etc. Dentro das quatro paredes o livro viaja num tempo psicológico a lugares profundos da percepção humana diante das misérias do mundo. A miséria nas relações de trabalho, a miséria nos interesses pessoais, a miséria dos interesses econômicos e a miséria nas relações afetivas e familiares. Toda essa roda gigante gira em nuances de aguçadas percepções e memórias. O quarto é o cenário para a observação do mundo que está a sua volta. A dor de entender e perceber que ele era apenas um parafuso numa engrenagem social fria e perversa. O choque de enxergar um mundo miserável por detrás dos bastidores leva o leitor por vezes ao incômodo, ao distanciamento e ao estranhamento. Talvez nossas memórias produzam questionamentos sobre nossas próprias vidas através das experiências de Gregor Samsa. Esse notadamente seja um dos principais motivos para ler Kafka e sua instigante e intrigante história. A metamorfose de tentar ler as nossas próprias vidas. Newton Lima é membro da ALMUB cadeira 89, tendo como patrono, o poeta Torquato Neto
Para entender e “degustar” este livro, tão bem elaborado nas entrelinhas, pela verve criativa da escritora Vânia Gomes, adentrei-me, mais ”demoradamente” no termo, que dá nome ao título. A palavra catarse, que procede da filosofia grega. Autores ilustres, como Aristóteles já falavam sobre esta questão. A catarse se refere à liberação das paixões, ou seja, à expressão dos sentimentos interiores, que causam uma sensação de plena liberdade e pureza. Lembro-me quando trabalhava na Lopes Royal, o Sr. Wildemir de Martini, que apreciava meus escritos, e, que infelizmente, não se encontra mais entre nós, um dia, quando se aproximava o carnaval, conversando, perguntei: – E aí caríssimo Dr. já liberou a catarse?…Todos os colegas riram e ficaram com aquela cara de espanto, sem entender. Aí, dei um resumo da minha visão/interpretação, versão sobre a palavra “catarse”. E complementei:- há uma época do ano, em que as pessoas normais perdem a noção do “politicamente correto” e literalmente, “liberam a catarse,” fazendo ou representando, travestidos de alergria fora do comum, o que não teriam coragem de fazer, em outras épocas do ano, se não fosse no Carnaval. – Homens se vestem de mulheres e soltam a “franga”! A crônica, como todos sabem, é um gênero textual caracterizado por textos curtos, de linguagem simples e que retrata os aspectos da vida cotidiana, geralmente com toques de humor ou ironia, como faz nossa cronista no decorrer da obra. O cronista busca inspiração, para os seus textos nos acontecimentos recentes, ou em situações banais do cotidiano e convida o leitor a olhar para o mundo, como ele. Esse estilo literário começou a se desenvolver no Brasil, em meados do século XIX, juntamente com o nascimento da imprensa no país. Dentre os primeiros cronistas brasileiros estão Machado de Assis e José de Alencar, entre outros. E Quem não se lembra das famosas Crônicas de Nelson Rodrigues? – Se alguém quiser adentrar em acontecimentos do Serviço Público Federal, onde todos os dias aparecem fatos pitorescos, os quais se não fossem registrados, facilmente, se perderiam com o tempo e com as próprias pessoas. Para exemplificar, além deste belo livro, de Crônicas, de Vânia Gomes, sugiro, também, que os colegas conheçam o livro escrito por Meireluce Fernandes e Ana Tapajós, “Vimos e Ouvimos – Contos e Encontros Internacionais”. Bem, agora, vamos ao que mais nos interessa: Quando li, o livro: “Catarses Crônicas”, de Vânia Gomes, me vi naqueles corredores, no bate-papo, na copa do cafezinho do IPEA, onde trabalhei por 15 anos e cada Crônica lida aqui me levava de volta ao passado. Coube a mim, falar sobre as Crônicas: “Herança, Férias no Brasil só para os fortes e – Em Brasília, 19…semanas”. Na primeira crônica “HERANÇA”, a autora menciona um diálogo interessante com um “hermano argentino”, que tinha um enorme fascínio por Brasília, uma cidade construída do nada. O ‘hermano’ entusiasticamente falou do grande estadista Juscelino Kubitschek de Oliveira e dos seus gloriosos feitos. Mas a cronista teve que desapontá-lo, dizendo que Juscelino, apenas, realizou o sonho de Dom Bosco e aproveitou o projeto dos Patriarcas de transferir a capital do país para o centro do território nacional. Fala de toda a pujança de Brasília, sua arquitetura, o eixo monumental, fonte das grandes decisões nacionais, projetada com amplo espaço, inclusive, para as mais variadas manifestações. Pelo texto, vi que a autora é também apaixonada por esta cidade. Aqui, ela destaca a beleza de um céu azul, e que apesar da sua juventude, já tem identidade própria, onde também surgiram alguns grupos de manifestações culturais, na área da música, como o rock da Legião urbana, Capital inicial e tantos outros, que levaram o nome da Capital para os rincões do Brasil. Brasília é uma cidade multicultural. Aqui, antes, predominava a cultura nordestina, e a Cidade, por ser eclética, engloba tudo:- Sertanejo, Axé, Funk, Zumba, Bossa Nova, MPB, Gospel, Chorinho, etc. Brasília é uma cidade milagre, mas cheia de problemas, como qualquer outra. E por mais de 10 anos funcionou como um milagre, pela incompetência de seus dirigentes. Finalizando, ela cita um trecho do poema de Renato Russo na música “Faroeste Caboclo” e faz coro com João do Santo Cristo: Meu Deus! mas que cidade Lindaaa. Na segunda Crônica: FÉRIAS NO BRASIL, SÓ PARA OS FORTES. A Autora revela que fazer turismo no Brasil é para poucos. Primeiro pelos aeroportos que têm infraestrutura mínima comparada com os grandes centros internacionais. Fala da experiência do aeroporto de Curitiba, com uma pitada de ironia e sarcasmo. Segundo ela, antes da aterrisagem do voo, a Comissária avisa que a bagagem seria restituída na esteira nº 1. Só tem uma esteira. O Brasil, segundo ela, tem muitos pontos turísticos, mas que carecem de infra estrutura de apoio, ao Turista. O que eu concordo. Isto, sem falar na segurança pública .- Que segurança nós temos?…- Se você for ao Rio de Janeiro não suba os morros sozinho, você pode não voltar vivo. Não é só Rio de Janeiro, há outras capitais que também são violentas, por conta dos homicídios, onde rola solta, a impunidade, principalmente, para “uma trupe de privilegiados”: os Políticos. E que, na grande maioria, o transporte é caótico, caro e ineficiente. Em 2014, houve um acréscimo de um milhão de turistas, mais que em 2013, por conta, é claro, da copa do Mundo. Em se tratando do Turismo é um número pífio e em quase nada se compara com a Espanha, que recebeu 36,3 milhões de Turistas. Por fim, nem tudo está perdido. O Brasil tem um enorme potencial turístico, pelo seu imenso território, e um litoral de 7.367 km banhado pelo Oceano Atlântico. O Governo brasileiro precisa investir, maciçamente, no turismo, pois, ele traz divisas, as divisas geram emprego e renda, e as rendas geram qualidade de vida e benefícios para toda uma população. Por fim, a terceira e última Crônica: EM BRASÍLIA, 19… SEMANAS. Aqui, a autora nos leva a um passeio pelo bioma, e a aspectos do como é duro viver em Brasília, em uma determinada época do ano.
“Naquele fim de semana” desenvolve uma narrativa sobre o desaparecimento de uma de duas amigas, que resolveram passar um fim de semana em Portugal. Trata-se de um romance com as características básicas de uma história detetivesca, mas com certas diferenças. Relacionadas ao fato de que a autora é roteirista e de séries famosas da televisão, como S.W.A.T. O que significa que a ação será o instrumento principal da história. E a celeridade das ações e dos diálogos garante uma espécie de tensão que acompanha o leitor até o final desse livro. Já seduzido por uma trama bem construída e um roteiro muito bem elaborado. A autora, com mais de 20 livros editados, nos convida a partilhar os sentimentos e emoções da personagem principal de “Naquele fim de semana”. Completamente envolvida em fatos estranhos, que se deslindam aos poucos. E chegam a um final imprevisível. Leitora apaixonada de romances policiais, resolvi me deter na comparação das características da literatura detetivesca e o livro de Alderson. E me apoio em P.D. James, uma das maiores escritoras inglesas de romances policiais. Em seu livro “Segredos do romance policial” ela afirma: quando os romances têm um crime atroz para ser explorado e investigado, abrangem um aspecto “excepcionalmente amplo da imaginação literária, compreendendo algumas das obras mais elevadas da criação humana”. Ela lembra o escritor Graham Greene, que havia inicialmente separado seus livros entre os sérios e os de entretenimento. Mais tarde ele recusa essa dicotomia. Admitindo o estilo literário de alto nível dos romances policiais. Além do fato de obedecerem a uma estrutura altamente organizada e de convenções estabelecidas. Em “Naquele fim de semana” há um crime central misterioso, um círculo de suspeitos, meios e oportunidades. Difere do romance policial clássico porque não existe um detetive. A figura imprescindível do investigador, sua forma de atuação e o desenvolvimento do processo investigativo, são as cores que animam o caso. Juntamente com uma perfeita descrição de cenários, costumes e ambiente externo, que caracterizarão a realidade social na qual se passa a ação. Cada detalhe é importante. E esse detalhismo enriquece a leitura. Pois os romances policiais costumam retratar a civilização, diz James. No livro de Alderson não se encontra essa descrição. Lembrando mais um vez que ela é roteirista. O tempo não é seu aliado, senão um elemento ao qual ela deve estar atenta. Procurando nele equilibrar a narrativa. As pistas são um importante componente das histórias policiais. E o autor deixa pistas que, embora honestas, podem ser enganosas. Como a fuga dos rapazes contratados pela amiga desaparecida e inicialmente os suspeitos. E sempre há um conflito perpassando os acontecimentos. No caso de “Naquele fim de semana”, ele era intuído, mas não compreendido ou conscientizado pela personagem principal. Somente mais tarde ele é descoberto em toda a sua violência e amplitude. Nos romances policiais o processo de dedução acompanha todas as fases da história. E a lógica fundamenta os raciocínios e a solução final. Deve haver verdade naquilo que se narra. Verdade nos personagens. E embora estruturado sob certas convenções, o romance policial deixa importante e significativa margem a criatividade. Alderson apresenta uma trama muito criativa. Nela a personagem e um amigo tentam resolver o problema. No entanto, a ênfase não é o processo de investigação em si. Mas a desordenada série de acontecimentos que circundam os personagens. Essa é a falta para quem gosta de romances policiais. Umberto Eco, em uma de suas crônicas, fala sobre esse tipo de literatura. O espanto que causou saber que um famoso escritor ao morrer, deixara uma coleção de cerca de 900 romances policiais. O fato é que os intelectuais gostam desse tipo de leitura, diz ele. E explica: primeiro, há sempre uma pesquisa que foi desenvolvida para a história. Depois, as perguntas: quem, por que – estimulando profundas indagações de caráter filosófico. Por fim, a história sempre estará ao alcance, podendo ser revista em seus questionamentos. No livro de Sarah Alderson, “Naquele fim de semana”, há questões interessantes relacionadas a nossa cegueira psicológica. Como se nos recusássemos a ver a realidade. Tal como a personagem, não conseguindo alcançar a compreensão do que se passava debaixo de seu nariz, quanto a traição do esposo. Por outro lado, a narrativa insiste em lembrar o que pode haver de grave e irrecorrível nas decisões tomadas impulsivamente, ou quando nos submetemos à vontade de outros, sem o devido raciocínio e a segurança pessoal. E, por fim, de como a vida é sujeita a mudanças profundas em curto espaço de tempo. Ao final, a grande questão: conhecemos, efetivamente, aqueles que nos rodeiam intimamente? Por Luiza Cavalcante Cardoso (cadeira 2) – Letras – Patrono: Rui Barbosa
Basilina é o nome de uma das maiores escritoras que conheci em Brasília nos últimos anos. Professora, advogada, entre tantos outros atributos, ela é singular e plural, ao mesmo tempo. Já participou de mais de 40 antologias. Foi agraciada com vários prêmios, e já publicou 14 livros. Quando, em uma bela noite enluarada de primavera deste setembro de 2015, recebi o honroso convite de Basilina para manifestar-me a respeito de sua mais recente obra, confesso que muito me emocionei. Principalmente, porque, convidada a prefaciar um livro de contos, vivia eu uma nova experiência, uma vez que, até hoje, só havia sido convidada para prefaciar/apresentar livros de poesia. Entretanto, pelo carinho que dedico à simpática e competente poetisa, que hoje me chama de “madrinha”, percebi que, diante de tal incumbência, a honra foi e é muito maior. Posso afirmar que a responsabilidade é grande, porém, muito significativa e prazerosa. A sensibilidade e a coragem dessa escritora mineira deixam transparecer, em seus maravilhosos e bem compostos textos, prenhes de afeto, amor e emoção, a visão singular e o comprometimento intenso que Basilina tem para com a vida e a humanidade. Sua palavra escrita leva o leitor a sentir e a distinguir, por meio de seus preciosos contos, uma deliciosa leitura, chegando a perfumar-nos com as luzes e a beleza de seu universo interior. Neste compêndio, a Autora nos apresenta 44 contos fáceis de ler, possibilitando ao leitor compreender ideias e intenções, e (por que não?) absorver mensagens. Seus contos tocam algumas das teclas mais vivas do humanismo contemporâneo avançado, reunindo textos entusiastas e reflexivos, ora líricos, às vezes reais, enfocando, a maioria deles, o nosso dia-a-dia. Os detalhes de cada peça formam a chave ímpar de cada conto, podendo ser aqui destacado o brilhante relato “Um Furo no Sapato”. Em rápidas pinceladas, Basilina deixa transparecer momentos de sua sabedoria, como, por exemplo, na frase: ”Nem sempre a Medicina cura todas as doenças, nem a Ciência explica todas as manifestações que acometem o ser humano”. “Sua inspiração latente e picante, em alguns contos, tem reflexos inesperados, como podemos constatar em “Um Inglês nas Alturas” e “A Dama de Vermelho”. Sempre atenta aos desmandos da política vil e às fragilidades dos nossos dirigentes, construiu “Era uma Vez…um Peru”. E, com realismo e muito “pé no chão”, surgem características visíveis de nossa Escritora, e ela afirma: “A gente sabe que vai morrer um dia, mas isso é outra coisa: é um conceito projetado numa tela hipotética, que a gente mantém sempre coberto com uma nuvem bem compacta”. E, para elucidar a riqueza do seu culto vocabulário e sua precisão na dialética, relata com bastante propriedade o episódio “Tevittin”, levando o leitor a viajar num ônibus imaginário ao encontro com um desconhecido, aproveitando a distância de passageiros que, enclausurados na velocidade estática, mantém um diálogo flexível, que se arremata num desejo mórbido, próprio de todo ser humano. Até para falar de “mendigo” e de “fazenda”, a Autora tem um linguajar finamente rebuscado, recheado de oportunos e necessários adágios. Pode-se vislumbrar, na leitura dos contos, um novo estágio em que a palavra deve não ser apenas lida, mas sentida e compreendida em toda a sua extensão e significado, como podemos sorver, por exemplo, nos contos “O Inquilino”, “Patchwork”, “As Faces do Tempo” e “A Culpa”. Em “A Partida”, a Autora nos envolve com seu vasto vocabulário, demonstrando que a pior notícia que alguém pode dar a outrem é a perda de um ente querido: “Essa passagem final “nos tira o chão”, e ficamos inertes com a fragilidade da vida. A partida é dolorosa, e as lembranças são eternas companheiras de uma existência. O único consolo explícito é a esperança no pós-sepulcro.” A Autora sempre procura encantar seus leitores com suas “frases feitas”, como: “… no ritmo de quem se despede, quando chega e dá bom dia, antes de partir…” e “Talvez as cores se mantenham iguais, e o mundo continue a abrigar as mesmas violências”. E, quando fala do amor, parece debruçar-se sobre si mesma, quando diz: “O amor pode ser uma valsa escondida em saquinhos de cristal, como um montinho de terra com crianças brincando ao redor”. Mais para o final desse maravilhoso desfile de contas, em forma de contos, a Autora deixa transbordar sua alma de poetisa, quando afirma: “- a poesia continua na sombra… Só os poetas fazem ninho e esperam que algum ambientalista das Letras venha salvar a espécie”. A inquietação, uma das características de Basilina, é uma grande promotora de satisfação, felicidade e criatividade. Ainda fisgando o espírito vivo, alegre e audaz da Escritora-poetisa, não poderia deixar de citar esta pérola, de Oscar Wilde, que tão bem se coaduna com os escritos da Autora: “Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas, apenas existe”. “Alguns Dedos de Prosa”, que poderia perfeitamente intitular-se “Muitos Dedos de Boa Prosa”, é um livro marcante, e deve constar das estantes de leitores de aguçado gosto literário. Fruam, portanto, os queridos leitores as mensagens e textos bem construídos, e as maravilhosas e sãs experiências a nós doadas pela querida e amada Basilina Pereira, talento inconteste da Literatura de Brasília, poetisa consagrada em nosso meio, e que agora vem também revelar-se uma contista de refinado estilo, grande presença e forte personalidade. Ótima leitura a todos! Meireluce Fernandes da Silva – Cadeira 13 – Patrona Cecília Meireles. Presidente da Academia de Letras e Música do Brasil – ALMUB
Prezados amigos almubianos e apreciadores da boa leitura. Nossa indicação, leitura do mês de outubro, do Grupo de Leitura, foi indicação da querida acadêmica, Nádima Nascimento. Segue, abaixo, a resenha tão bem elaborada por ela. A SENHORA DAS ESPECIARIAS de Chitra Divakaruni é um romance surpreendente pela narrativa delicada e profunda, que aborda, principalmente, a intimidade com as especiarias e a vida de imigrantes indianos para os Estados Unidos. É a história de uma jovem, Tilo, de natureza rebelde, que depois de intentar vários segmentos da vida comum, acaba em uma ilha orientada por uma anciã em disciplina sacerdotal junto a outras moças. Quando formadas, em condições de irem a ter com pessoas comuns, tais moças são espalhadas pelo mundo para cumprir sua missão, com a devida rígida disciplina de uma sacerdotisa. Cabe a Tilo, na aparência de uma senhora idosa, ser a dona de uma Loja de Especiarias, nós arredores de São Francisco, cenário onde se desenrola muitas das descrições cheias de magia das especiarias, do aspecto psicológico e choque cultural dos imigrantes, e de uma surpreendente paixão. O livro deu origem ao filme – O Sabor da Magia, que, em minha opinião, deixa a desejar, considerando que muito das narrações são monólogos, percepções emocionais e mentais, não fáceis de serem transmitidas pela arte cinematográfica. Ressalto a beleza chamativa da capa de Victor Burton, com molduras cheias de Especiarias e as devidas referências. Autora de mais de dez obras, essa junto com Irmã do Meu Coração e A Vinha do Desejo são as mais elogiadas. Chitra Banergee Divakaruni ainda jovem migrou para os EUA, sendo hoje poeta e professora do Programa Escrita Criativa da Universidade de Houston, Texas. Nádima Nascimento (cadeira 47) – Letras – Patrona: Neusa França
Por Basilina Pereira A primeira vez que li Os Famosos e os Duende da Morte de Ismael Caneppele fiquei muito impressionada. Primeiro por tratar-se de um livro diferente, quanto a forma de narrar, ou seja, com interrupções e supressões de palavras finais, o que não chega a prejudicar o fluxo da narrativa porque a ideia implícita traduz perfeitamente o que, supostamente, está na cabeça do narrador e pode ser entendido com a ajuda do leitor. As palavras do autor são diretas e certeiras, mas é a sua sensibilidade e a linguagem poética que me motivaram a seguir com a leitura. O livro retrata com muita realidade os sentimentos de um adolescente, que vive o conflito entre ficar e partir, pertencer e negar. Vemos um retrato das inquietações do jovem atual e sua relação com a internet, na eterna busca de uma identidade, onde os pixels são uma realidade que se mistura com a vida real. Como gostei deste livro! Nesta segunda leitura, parece que me encantei mais ainda. Poesia e sensibilidade à flor da pele. Tem paixão e compaixão. Ele revela onde doem as suas e as nossas feridas, expõe sem reservas os seus e também os nossos medos, anseios e inseguranças. Ismael é fluente. Corre solta a sua prosa. Transparente. De quem se mostra sem reservas. Com verdade. A gente avança por suas páginas, com vontade de transformar tudo em poesia. Ele tem frases lapidares. Sublinhei e anotei várias. O autor se mostra grande em simplicidade e autenticidade e, para mim, tudo que é verdadeiro supera, transpõe. Este livro: Os Famosos e os Duendes da Morte virou filme homônimo, dirigido por Esmir Filho, grande vencedor do Festival do Rio em 2009. O tempo da narrativa ocorre durante três dias na pele de um adolescente, cujo nome não é revelado, e é fã de Bob Dylan. À beira de deixar a cidade em que vive, ou seja: ele já começa a narrativa entregando-se. Tudo se distanciando. Tudo desaparecendo. Penetrando no esquecimento. Já sabemos do nosso destino. Desde menino, o fim. Mas não se trata de um livro fatalista. Nem pessimista. Ele é real. A vida, essa estrada tortuosa que percorremos. No filme, inclusive, Bob Dylan chega a ser trilha e personagem. Ismael é inventor de linguagem. É autor que, definitivamente, me conquistou. A narrativa em forma de fluxo de consciência traduz exatamente a forma afoita e desconexa dos adolescente em sua ansiedade de descobrir o mundo, atropelar os acontecimentos, saltar de um assunto para outro e mudar de interesse também. E as dúvidas? Vejam quantas vezes ele usou a palavra talvez. Há sim alguns erros de português que, eu creio, foram propositais, a exemplo do falar regional do gaúcho que usa o tu com o verbo na terceira pessoa. A considerar também o fato de que nenhum adolescente fala com português escorreito em uma conversa informal com os amigos. Frases que destaquei: 1 – O mundo acontecia longe demais de onde estávamos, pg 9. 2 – Estar perto não é físico, pg 11. 3 -Longe é o lugar que a gente pode viver de verdade, pg 11. 4 – Ninguém sabe tudo sobre ninguém, pg 12. 5- O mundo sempre encontra um jeito de acontecer, pg 15. 6 -O cheiro sobre a luz laranja dos dias, caindo devagar do outro lado do muro era um filme que eu nunca mais veria, pg 18. 7 – Nossos assuntos perderam-se em algum momento, pg 19. 8 _ Respirar machucando por dentro, pg 25. 9 _ Talvez eu não estivesse sozinho dentro dos meus pensamentos, pg 29. 10 – A cidade era o filme parado depois do susto, pg 31. 11 -A pior dor é a dos que voltam. É a dos que ficam. Pg 32. 12 – Os que seguem por inércia não perguntam para onde vão, pg 32. 13 – Sobreviver não significa estar a salvo, pg 34. 14 – É preciso ter alma para aceitar perder, pg 37. 15 -O vento entregava a resposta para a pergunta que eu não tinha coragem de, 37. 16 – Num lugar que talvez exista perto, pg 44. 17 – A cidade dentro da tarde. O meu rosto trancado dentro das fotografias, pg 53. 18 – O relógio da torre da igreja arrastava as esperas, pg 58. 19 – Se a nossa alma fosse ferida, ninguém perceberia as cicatrizes, pg 63. 20 – Talvez a minha vida me esperasse em algum lugar, onde não havia mais como chegar, pg 66. Basilina Pereira – (cadeira 26) – Letras – Patrono: Olavo Bilac
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