ALGUNS DEDOS DE PROSA, DE BASILINA PEREIRA
Basilina é o nome de uma das maiores escritoras que conheci em Brasília nos últimos anos. Professora, advogada, entre tantos outros atributos, ela é singular e plural, ao mesmo tempo. Já participou de mais de 40 antologias. Foi agraciada com vários prêmios, e já publicou 14 livros.
Quando, em uma bela noite enluarada de primavera deste setembro de 2015, recebi o honroso convite de Basilina para manifestar-me a respeito de sua mais recente obra, confesso que muito me emocionei. Principalmente, porque, convidada a prefaciar um livro de contos, vivia eu uma nova experiência, uma vez que, até hoje, só havia sido convidada para prefaciar/apresentar livros de poesia. Entretanto, pelo carinho que dedico à simpática e competente poetisa, que hoje me chama de “madrinha”, percebi que, diante de tal incumbência, a honra foi e é muito maior. Posso afirmar que a responsabilidade é grande, porém, muito significativa e prazerosa.
A sensibilidade e a coragem dessa escritora mineira deixam transparecer, em seus maravilhosos e bem compostos textos, prenhes de afeto, amor e emoção, a visão singular e o comprometimento intenso que Basilina tem para com a vida e a humanidade. Sua palavra escrita leva o leitor a sentir e a distinguir, por meio de seus preciosos contos, uma deliciosa leitura, chegando a perfumar-nos com as luzes e a beleza de seu universo interior.
Neste compêndio, a Autora nos apresenta 44 contos fáceis de ler, possibilitando ao leitor compreender ideias e intenções, e (por que não?) absorver mensagens. Seus contos tocam algumas das teclas mais vivas do humanismo contemporâneo avançado, reunindo textos entusiastas e reflexivos, ora líricos, às vezes reais, enfocando, a maioria deles, o nosso dia-a-dia.
Os detalhes de cada peça formam a chave ímpar de cada conto, podendo ser aqui destacado o brilhante relato “Um Furo no Sapato”.
Em rápidas pinceladas, Basilina deixa transparecer momentos de sua sabedoria, como, por exemplo, na frase: ”Nem sempre a Medicina cura todas as doenças, nem a Ciência explica todas as manifestações que acometem o ser humano”.
“Sua inspiração latente e picante, em alguns contos, tem reflexos inesperados, como podemos constatar em “Um Inglês nas Alturas” e “A Dama de Vermelho”.
Sempre atenta aos desmandos da política vil e às fragilidades dos nossos dirigentes, construiu “Era uma Vez…um Peru”.
E, com realismo e muito “pé no chão”, surgem características visíveis de nossa Escritora, e ela afirma: “A gente sabe que vai morrer um dia, mas isso é outra coisa: é um conceito projetado numa tela hipotética, que a gente mantém sempre coberto com uma nuvem bem compacta”. E, para elucidar a riqueza do seu culto vocabulário e sua precisão na dialética, relata com bastante propriedade o episódio “Tevittin”, levando o leitor a viajar num ônibus imaginário ao encontro com um desconhecido, aproveitando a distância de passageiros que, enclausurados na velocidade estática, mantém um diálogo flexível, que se arremata num desejo mórbido, próprio de todo ser humano.
Até para falar de “mendigo” e de “fazenda”, a Autora tem um linguajar finamente rebuscado, recheado de oportunos e necessários adágios.
Pode-se vislumbrar, na leitura dos contos, um novo estágio em que a palavra deve não ser apenas lida, mas sentida e compreendida em toda a sua extensão e significado, como podemos sorver, por exemplo, nos contos “O Inquilino”, “Patchwork”, “As Faces do Tempo” e “A Culpa”.
Em “A Partida”, a Autora nos envolve com seu vasto vocabulário, demonstrando que a pior notícia que alguém pode dar a outrem é a perda de um ente querido: “Essa passagem final “nos tira o chão”, e ficamos inertes com a fragilidade da vida. A partida é dolorosa, e as lembranças são eternas companheiras de uma existência. O único consolo explícito é a esperança no pós-sepulcro.”
A Autora sempre procura encantar seus leitores com suas “frases feitas”, como: “… no ritmo de quem se despede, quando chega e dá bom dia, antes de partir…” e “Talvez as cores se mantenham iguais, e o mundo continue a abrigar as mesmas violências”.
E, quando fala do amor, parece debruçar-se sobre si mesma, quando diz: “O amor pode ser uma valsa escondida em saquinhos de cristal, como um montinho de terra com crianças brincando ao redor”.
Mais para o final desse maravilhoso desfile de contas, em forma de contos, a Autora deixa transbordar sua alma de poetisa, quando afirma: “- a poesia continua na sombra… Só os poetas fazem ninho e esperam que algum ambientalista das Letras venha salvar a espécie”.
A inquietação, uma das características de Basilina, é uma grande promotora de satisfação, felicidade e criatividade.
Ainda fisgando o espírito vivo, alegre e audaz da Escritora-poetisa, não poderia deixar de citar esta pérola, de Oscar Wilde, que tão bem se coaduna com os escritos da Autora: “Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas, apenas existe”.
“Alguns Dedos de Prosa”, que poderia perfeitamente intitular-se “Muitos Dedos de Boa Prosa”, é um livro marcante, e deve constar das estantes de leitores de aguçado gosto literário.
Fruam, portanto, os queridos leitores as mensagens e textos bem construídos, e as maravilhosas e sãs experiências a nós doadas pela querida e amada Basilina Pereira, talento inconteste da Literatura de Brasília, poetisa consagrada em nosso meio, e que agora vem também revelar-se uma contista de refinado estilo, grande presença e forte personalidade.
Ótima leitura a todos!
Meireluce Fernandes da Silva – Cadeira 13 – Patrona Cecília Meireles.
Presidente da Academia de Letras e Música do Brasil – ALMUB